Lilo & Stitch: A nostalgia mais uma vez servindo como cortina de fumaça

Lilo & Stitch: A nostalgia mais uma vez servindo como cortina de fumaça

O novo live-action da Disney é dirigido por Dean Fleischer Camp e reconta a história de Lilo & Stitch, seguindo a principal premissa da animação original, mas deixando para trás partes importantes da obra. Inicialmente, a nostalgia pode encantar o espectador, não deixando espaço para que se percebam as manipulações escondidas nas mudanças de personalidade e amadurecimento dos personagens. 

O primeiro ato está mais rápido desnecessariamente. Se no original o ritmo já era rápido, agora está ainda mais acelerado, sendo marcado principalmente pelaa minimização da solidão e luto de Lilo (Maia Kealoha). É possível entender que ela não tem amigos, mas com uma justificativa muito mais centrada em sua rebeldia do que em sua condição de órfã – como se ela fosse apenas uma criança sem educação e folgada.

Em alguns momentos o CGI não são perfeito, o que pode ser atribuído, em parte, ao orçamento relativamente baixo, cerca de US$100 milhões, segundo o Deadline. Esse valor é considerado pequeno quando comparado ao de outros live-actions da mesma empresa, especialmente porque a obra seria lançada exclusivamente no Disney+. No entanto, devido ao sucesso do público após a divulgação, o filme foi exibido primeiro nos cinemas, arrecadando US$341,7 milhões nas bilheterias mundiais (valores até o dia 25/5), apenas na primeira semana. O orçamento influenciou em mudanças no roteiro, como a decisão de manter os alienígenas Jumba (Zach Galifianakis) e Pleakley (Billy Magnussen)  na forma humana durante a maior parte do tempo, além de algumas falhas na interação entre o Stitch e os outros personagens. Com esse retorno financeiro, o estúdio conseguiu minimizar o impacto negativo sofrido com o remake de Branca de Neve.

lilo & stitch live-action

O personagem Cobra Bubbles (Courtney B. Vance), agora retratado como um agente do FBI disfarçado de assistente social, tirou o peso do personagem original, que de fato exercia a função de assistente social. É estranho, na animação, que nenhuma autoridade de segurança percebe a entrada de extraterrestres na Terra? Sim! Mas a forma como a mudança foi apresentada retirou a profundidade do personagem, tornando-o em alguém diferente e inconsequente, cuja única preocupação era capturar Stitch, em vez de zelar por Lilo. 

A retirada do Gantu, personagem alienígena, não impactou no desenvolvimento da história, porém alterou a personalidade e o tempo de tela da Grande Conselheira, que passou a ter um papel mais ativo na busca pela Experiência 626. Já Jumba se tornou mais malvado e brutal. Uma personagem que mudou completamente o rumo da história foi a vizinha, Tutu (Amy Hill). Apesar de ser muito carinhosa, ela interfere diretamente nas interações entre Nani e Lilo, influenciando o desfecho da narrativa.

O longa-metragem retirou algumas críticas à cultura norte-americana presentes na animação original — como a cena em que Lilo fotografa um turista queimado do sol, uma metáfora para o modo como os turistas tratam os nativos, ou o momento em que vários turistas perseguem do Stitch vestido de Elvis, provocando um ataque de raiva no personagem. Além disso, a nova versão transforma a trama  em uma forma ainda mais evidente de idolatria à cultura continental, ao mostrar Nani indo estudar na Universidade da Califórnia, em San Diego, mesmo havendo opções no próprio Havaí, como a University of Hawaiʻi at Mānoa, a University of Hawaiʻi at Hilo e o Hawaiʻi Institute of Marine Biology — todas com cursos de Biologia Marinha. 

A trama até menciona a Universidade de Mānoa, no Havaí — que possui um dos melhores programas de Biologia Marinha do país e representa uma opção mais acessível —, mas Nani acaba optando por uma faculdade mais distante, com bolsa integral. A única alteração que realmente teria sido interessante é justamente essa escolha da Nani, pois traria mais esperança e perspectiva de futuro para ela. Dessa forma, ela poderia assumir de fato o papel de irmã, e não o de mãe, como ocorre na animação. Entretanto, a maneira como o desfecho foi conduzido apenas reforça o discurso do sonho norte-americano, desvalorizando elementos da cultura e do contexto dos povos originários.

Camila Couto

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *