Pecadores: Uma obra inteligente e emocionante

Pecadores: Uma obra inteligente e emocionante

“Pecadores”, nova produção de Ryan Coogler, é um terror estrelado por Michael B. Jordan e Miles Caton construído com camadas muito profundas e ricas em significados culturais e sociais.

A obra conta a história dos irmãos gêmeos, Elias “Stack” e Elijah “Smoke” Moore (ambos interpretados por Michael B. Jordan), que após viverem em Chicago e acumularem dinheiro vindo de origem ilegal, retornam à sua cidade natal para abrir um clube de Blues. Porém, ao trazerem seu primo, Sammie Moore (Miles Caton), para cantar uma bela canção que atravessou o senso de tempo e o plano espiritual, começam a ser perseguidos por uma força maligna.

A trama traz o contexto social do sul dos Estados Unidos, durante a segregação racial dos anos 1930, com isso, consegue explorando temas de violência racial e a luta contra a opressão. Assim, na primeira camada, podemos visualizar fortes questionamentos sobre o que é certo e errado e o motivo por alguns atos seres considerados de Deus ou do diabo, porém sempre misturando essas “certezas” com críticas profundas sobre a perseguição que os negros sofreram na época citada, sendo necessário um raciocínio analítico afiado para enxergar essa segunda camada.

filme pecadores ryan coogler michael b jordan

Neste segundo plano, vemos como os vampiros são na verdade a materialização da perseguição dos membros da ku klux klan aos negros, suas músicas e crenças. Pois, em um primeiro momento traz a moral de quem está na igreja está a salvo do maligno e quem se rende aos prazeres mundanos está fadado a morte espiritual que o vampiro traz. Dessa forma, endemonizando a cultura afro. “Aaaa mais o vampiro também transformou 3 brancos.” Os primeiros dois transformados foram a forma que ele encontrou de se manter vivo, ao perceber que eles faziam parte da KKK, dessa forma sendo mais fácil das primeiras vítimas acreditarem nele do que nos indígenas que estavam tentando matá-lo.

Todo o massacre feito na trama representa o apagamento histórico da memória da comunidade negra. Além de toda essa profundidade, também temos uma característica interessante nas personagens femininas da produção: nenhuma delas são escadas para os homens, algo comum em filmes escritos e dirigidos por homens, por exemplo, Oppenheimer e Interestelar, ambos de Christopher Nolan.

Como ressalta a crítica de cinema no perfil Narrativa Feminina, Ana Paula Barbosa, “Quando um diretor homem realmente respeita as mulheres, isso fica evidente nas telas.” Após anos assistindo personagens femininas servindo de acessórios para os personagens masculinos, é possível notar quando um diretor e/ou roteirista valoriza as mulheres independente da posição em que ela está, seja coadjuvante, vilã, antagonista ou protagonista.

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Annie, Mary, Grace e Pearline (respectivamente interpretadas por Wunmi Mosaku, Hailee Steinfeld, Li Jun Li e Jayme Lawson) possuem diferentes características, mas nenhum desses adjetivos faz elas ficarem presas aos protagonistas ou seus pares românticos. Elas conseguem manter sua essência independente do homem em que a história foca.

Coogler não abre espaço para mulheres autenticadas apenas nas telas, como também as colocam nos bastidores. O diretor trabalha mais uma vez com Ruth E. Carter (figurinista) e Hannah Beachler (diretora de arte), sendo a primeira em Pantera Negra, onde ambas venceram o Oscar de 2019 pela obra. Outro nome renomado que volta a trabalhar com ele é Autumn Durald, diretora de fotografia, que por conta de Pecadores será a 1ª diretora de fotografia a filmar em Imax.

O filme possui um visual impactante e poético, é possível perceber cada detalhe dos ambientes, podemos sentir imersos em cada lugar e situação. É notável a delicadeza e audácia na cenografia de Beachler e em nas peças de roupas de Carter (que conseguiu manter a personalidade de cada pessoa levando em conta suas origens, crenças e época). Durald trouxe uma fotografia que conversou perfeitamente dentro da montagem de Michael P. Shawvercom a música do compositor Ludwig Göransson que é parte essencial da trama. A música, principalmente o blues, é tratado como um elemento central da narrativa, tendo uma forte ligação com a história da comunidade negra e o apagamento da sua identidade.

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A diretora de elenco Francine Maisler fez uma seleção e preparação excelente, Michael B. Jordan, por exemplo, conseguiu trazer dois gêmeos, que mesmo possuindo ideias alinhadas, possuem personalidades e ações únicas e diferentes.

Pecadores também traz consigo a sagacidade das negociações da indústria cinematográfica, pois Ryan Coogler não conquistou apenas liberdade criativa total para fazer o filme, como também terá de volta os direitos completos sobre a obra daqui a 25 anos, em 2050. Com esse acordo feito com a Warner Bros. Discovery, o diretor não somente garantiu o retorno dos royalties futuros, como impediu que Pecadores se transformasse em outra “franquia infinita”, como ocorre com Star Wars, Marvel e DC. Além disso, Coogler possui um vínculo especial e pessoal com a história, pois o roteiro tem muitos elementos autobiográficos sobre sua família, dessa forma parte da sua história não poderá ser apagada ou manipulada.

Extra: Em uma entrevista, Coogler ressaltou que o personagem Morte de “O Gato De Botas 2: O Último Desejo” foi a inspiração para o vilão do seu filme. “Pense no vilão da Morte, pense em suas características marcantes: seus olhos, seu nariz. Pense em seu comportamento. Isso foi uma grande influência.” É de aquecer o coração, saber que grandes diretores buscam inspirações em animações.

Camila Couto

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