You (1ª Temp) | Joe Goldberg é o novo Frankenstein?

Atenção nesse texto há spoilers e o tema abordado pode gerar gatilhos para quem já sofreu assédios ou relacionamentos abusivos.

Com a aproximação da estreia da segunda parte da quarta temporada da série You (Você), na Netflix, é necessário entendermos porque mesmo a produção sendo muito boa, devemos ter cuidado em como absorvemos ela. Bora entendermos isso melhor relembrando a primeira temporada!

Os fins justificam os meios? Aparentemente, You quer mostrar que sim. A série é baseada no livro de Caroline Kepnes e conta a história de Joe (Penn Badgley), um gerente de livraria, que se “apaixona” por Beck (Elizabeth Lail), uma estudante de literatura e uma de suas clientes, porém sua paixão se demonstra uma obsessão doentia capaz de qualquer coisa para fazê-la feliz até mesmo matá-la.

Quando Camões descreve o amor, ele diz que o “Amor é um fogo que arde sem se ver”, mas isso não é motivo para ele entrar sem ser visto ou sem ser convidado na casa da Beck. “É ferida que dói e não se sente” isso não dá o direito dele machucar e matar quem ela ama. “É um contentamento descontente” mas não é por isso que ele pode usar a tristeza dela para fazer ela se apaixonar por ele. Enfim, poderíamos ficar aqui horas explicando porque o sentimento de Joe por Beck não é amor nem paixão, mas os diretores de uma forma falha tentaram mostrar isso para nós.

Os diretores, Greg Berlanti e Sera Gamble, acertaram em tentar abordar temas como, relacionamento abusivo, exposição nas redes sociais, assédio dentro da faculdade e relacionamentos tóxicos (amizade, familiar e amorosa). Porém, eles falham propositalmente e podemos ver isso logo nos primeiros episódios quando Joe empresta o livro Frankenstein para seu vizinho Paco (Luca Padovan) e ele fala que ler a história pela mente do monstro mostra que ele não é tão monstro assim. E é isso que os diretores tentam fazer conosco o tempo todo na série, já que é contada pelos pensamentos de Joe.

A narração é realizada por Joe e é notável seus pensamentos e suas ações doentias, e tudo é justificado com um simples “ele é um apaixonado lutando pela sua amada”. Outra forma de ver como tudo foi forçado para que ele pareça ser o “bonzinho” da história, quando todos ao redor de Beck não são tão legais assim com ela. O atual namorado, Benji, a trai e a magoa. As amigas não se importam com ela e suas vontades. O professor tenta abusá-la dentro e fora da faculdade. E ela sempre está sozinha.

Não precisamos ser advogados para ver que Joe comete vários crimes, como:

• Atentado ao pudor: quando se masturba vendo Beck pela janela da casa dela.
• Invasão de domicílio: quando invade a casa dela para “entender ela”.
• Furto: quando rouba o celular de Beck e o livro de Peach (Shay Mitchell).
• Homicídio doloso: quando matou Benji (Lou Taylor Pucci) e Ron.
• Entre inúmeros outros crimes.

E para piorar toda essa situação, a única pessoa que consegue ver o monstro sociopata que é o Joe, é o padrasto do Paco. Um homem que bate na própria esposa, viciado e que nos faz sentir raiva o tempo todo por maltratar a mulher e o garoto. Em todo momento a série coloca o Joe como o protetor de Paco, como se ele no fundo fosse uma boa pessoa.

Entretanto, há uma coisa muito importante que a série mostra de uma boa forma: o quanto nós nos expomos nas redes sociais. No começo Joe dá aquela famosa “stalkeada” em Beck nas redes sociais e mesmo ela não colocando tudo de sua vida ele ainda consegue encontrar onde ela mora, estuda, com quem convive e suas necessidades, sendo esse um alerta para todos.

Os 10 episódios da primeira temporada só chamaram a atenção para duas coisas:
1 – Como é fácil passar a mão na cabeça de um homem abusador, classificando ele apenas como um “stalker”.
2 – A direção de fotografia está de parabéns.

A estética dos episódios com ênfase nos de suspense com close, consegue deixar o espectador acuado junto com a Beck e aterrorizados durante o assassinato de Benji. Além da escolha das cores para cada personagem e cada situação.

Não estamos aqui para passar a mão na cabeça dos outros personagens e crucificar Joe, mas para mostrar que todos eles são ruins, porém não é porque temos mais aproximação com o Joe por conta da narração que ele seja o menos pior, ao contrário, ele é o pior. Já está na hora de pararmos de romantizar a dor, “O Joe livrou Beck de Benji” sendo que ele matou Benji, “Joe fez tudo isso por amor à Beck” ERRADO ele a manipulou e armou para ela, até chegar a sua morte. 

É triste ver inúmeras jovens romantizando personagens como o de Joe, sendo que só no Brasil houve um aumento de 22% nos registros de casos de feminicídio, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E aqui devemos nos questionar, essa série fez sucesso por ter retratado os fatos e chocado a todos ou porque a violência e o abuso já foi romantizado pela sociedade julgando como algo normal?

A segunda parte da quarta temporada de You estreia amanhã (09) na Netflix. Caso você esteja passando por qualquer tipo de violência LIGUE AGORA 180 e não seja a próxima Beck da vida real.